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Telmo Porto: colecionador e filantropo

18 de maio - 27 julho de 2024

Acesso ao catálogo completo


Relembrando Telmo Porto

Escrever sobre Telmo Porto, desafiando lembranças próximas e distantes, é para mim um difícil processo de construção de memórias, marcado pela saudade e pela ausência e também por afeto, admiração e amizade.

Tive o privilégio de conviver com Telmo por um período não tão longo, talvez cerca de 18 anos, a partir de 2005, quando eu, à frente da direção da Pinacoteca do Estado de São Paulo, conheci-o visitando nossas exposições.

Qualificá-lo já é uma primeira responsabilidade desafiadora: colecionador, mecenas, pesquisador, filantropo, frequentador assíduo e atento de exposições, amigo das artes, dos artistas e dos museus… todo um imenso espectro de atividades marcado pela profunda empatia com o humano, pela discrição e pela generosidade.

Nascido no Rio de Janeiro em 1955, mas desde jovem vivendo em São Paulo, em família marcada pelo interesse intelectual e por uma visão cosmopolita, cresceu em uma residência no bairro da Água Branca, projetada por Vilanova Artigas, que sempre evocava como ambiente formador de sua sensibilidade estética. Formou-se engenheiro civil ferroviário pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, na qual obteve seu doutorado e lecionou por mais de 30 anos, paralelamente ao exercício profissional – de forma destacada, tanto na área pública quanto no âmbito privado, em diversas empresas.

Seus interesses e conhecimentos artísticos eram vastos: grande conhecedor e apreciador da música erudita, brasileira e estrangeira, especialmente as composições para piano. Teatro, dança, ópera e literatura eram manifestações que o atraíam, mas, seguramente, sua grande paixão eram as artes visuais, numa dimensão em que sempre as entendia, em estreita relação com as instituições que as estimulam, difundem, acolhem e preservam.

Esta visão – que sempre encontrou apoio e cumplicidade em sua esposa e companheira de toda a vida, Lais Zogbi Porto – o levou a uma profícua, produtiva e singular atuação no cenário cultural paulista. No campo institucional, foi membro do Patronato do Museu de Arte Moderna de São Paulo por 30 anos, tendo lá exercido o cargo de Diretor Administrativo de 2019 a 2022. Também participou do Conselho Deliberativo do Museu de Arte de São Paulo (MASP) de 2014 a 2022, tendo integrado ativamente seu Comitê Cultural e o Comitê de Infraestrutura, e foi diretor do Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (MUBE) nos anos 2000.

Para além dessas colaborações, que muitas vezes envolviam igualmente contribuições financeiras, exerceu de maneira generosa e entusiástica sua maior vocação: a doação de obras para os acervos de museus.

Telmo Porto, como eu chamava carinhosamente, era um doador compulsivo, que atuava de duas maneiras distintas. Uma era respondendo a solicitações das diretorias das instituições para a compra e doação de obras (não as contemporâneas, para as quais dizia haver interesses e sensibilidades já consolidados); mas a maneira que lhe dava mais satisfação seguia outra estratégia: estudava os acervos dos museus, que conhecia em profundidade (algumas vezes melhor do que os próprios curadores…), identificava lacunas nas áreas que lhe interessavam (especialmente a produção das últimas décadas do século 19 até os anos 1950/1960, sobretudo de nomes ainda sem o devido reconhecimento por parte da historiografia oficial), e saía em busca de obras que correspondessem a esses critérios em leilões e galerias em todo o Brasil.

Sua alegria ao localizar – e adquirir – essas obras e propô-las em doação aos museus era contagiante: “achei a marinha do artista x que faltava no acervo”, ou “você não vai acreditar na pintura dos anos 1890 que encontrei do artista y retratando seu ateliê em São Paulo”.

Essas propostas de doação eram realizadas da maneira mais respeitosa possível, sempre se atendo aos procedimentos de cada instituição e sem nenhuma exigência especial, salvo o crédito merecido de “doação de Telmo e Lais Porto” – e sempre acompanhadas de atos de extrema atenção e delicadeza, como a entrega das obras nas datas e horários indicados por cada museu, que ele fazia questão de realizar pessoalmente.

As doações de obras por Telmo Porto ao longo das duas primeiras décadas do século 21 a inúmeros museus paulistanos, não só aqueles em que atuou institucionalmente, mas a inúmeros outros, com especial ênfase para o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, transformaram-no no mais destacado doador de obras individuais desse período. Nas instituições museológicas de São Paulo que receberam, nesses anos, importantíssimas coleções em doação ou em comodato, não houve figura que tivesse ocupado esse posto de contribuições efetuadas a partir de um olhar tão atento, seleto e cuidadoso como Telmo Porto.

Paralelamente a esta atuação institucional, Telmo avançou, a partir de 2015, com um projeto pessoal que sempre o atraiu: a constituição de um espaço próprio, que dizia ter como objetivo maior o de ser um local para encontrar e conversar com amigos. Ao longo de anos, buscou cuidadosamente um imóvel que lhe agradasse e correspondesse a suas expectativas. Acabou localizando na avenida Juriti, em Moema, uma antiga residência com um projeto que, de alguma maneira, evocava sua residência familiar e se dedicou, de maneira plena e integral, e em uma produtiva interlocução com a arquiteta Renata Semin, ao restauro e à adequação do espaço para a instalação da Arte132 Galeria. Sua atenção aos detalhes foi extrema: da localização dos interruptores de luz ao desenho dos azulejos do banco do jardim; do melhor projeto luminotécnico disponível no mercado ao local ideal para colocação do piano que serviria para apresentações das músicas que tanto apreciava.

Inaugurada em agosto de 2021, a Arte132 Galeria veio concretizar seu sonho de trabalhar e difundir as produções artísticas “nem sempre valorizadas pelo mercador” e que ele garimpou cuidadosamente ao longo de anos, formando um acervo próprio de grande qualidade e abrangência.

A presente exposição, apresentando um recorte deste vasto acervo, decorrido quase um ano após sua precoce partida em julho de 2023, é uma homenagem necessária e merecida a essa figura tão especial, com quem tive a honra de compartilhar sonhos e ideais.

Não poderia encerrar estas recordações sem registrar dois outros pontos: o primeiro é o reconhecimento da generosidade, sempre marcada por profunda discrição, com que Telmo Porto atuou no apoio a tantas pessoas em momentos de necessidade, especialmente inúmeros artistas. O segundo é o testemunho de sua visão e comprometimento com a necessidade de construção de uma sociedade mais justa e solidária em nosso país, principalmente nos delicados momentos recentes de nossa história, e sua inabalável crença na viabilidade de um mundo de convivências respeitosas.

Marcelo Mattos Araújo


Telmo Porto: colecionador e filantropo

Esta exposição homenageia o trabalho e a memória de Telmo Porto (1955-2023), engenheiro, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, mais conhecido como colecionador de arte e amigo dos artistas, diretor e conselheiro em diferentes instituições museais em São Paulo, às quais fez generosas doações, perfazendo um total de mais de 200 trabalhos. Tinha um amor verdadeiro pela arte, não apenas pela pintura e escultura, mas por todas suas formas sejam objetos, livros, mobiliários, música, literatura, teatro, moda. Daí a diversidade de sua coleção e a originalidade de sua orientação, particularmente nas artes visuais, promovendo a recuperação de artistas deixados de fora ou ainda não reconhecidos plenamente pelas narrativas hegemônicas da arte brasileira. Mas não apenas estes como pode ser visto no seu acervo particular ou pelas obras que doou aos museus.

A galeria Arte132 foi o último projeto de Telmo Porto. Inaugurada em agosto de 2021, depois de mais de três anos de trabalho, ele cuidou pessoalmente de todos os detalhes para a adaptação do imóvel como um espaço cultural aberto ao público. Pensou um lugar para além de uma galeria comercial, como um sítio de encontro entre amigos e artistas, apresentações musicais e performances, grupos de conversas, além das exposições. Constituiu o acervo a partir de sua coleção, trazendo para o novo espaço pinturas, esculturas e papeis, assim como livros, múltiplos, cristais, pratas, opalines, imagens religiosas, arte popular, criando um ambiente acolhedor e marcando o espírito eclético e próprio do lugar.

Em menos de três anos a Arte132 realizou importantes exposições, sempre acompanhadas de consistentes publicações, revelando ou recuperando artistas e produções menos conhecidos no circuito das artes visuais, mas com uma presença significativa na construção do meio artístico brasileiro e na consolidação de um pensamento moderno para a visualidade.

A presente exposição, portanto, conta um pouco desta história. Não segue nenhuma ordem cronológica, mas aproxima as gerações de artistas presentes em agrupamentos temáticos, estilísticos ou por suportes materiais, por vezes pontuados com trabalhos que revelam relações elípticas entre diferentes tempos. A experiência da exposição proposta ao visitante é a de estar num espaço imantado de histórias e projetos realizados, um lugar de contemplação e reflexão. Não há nada estridente. Silenciosamente revela o colecionador, conta a alma da sua história, a arte.

Ivo Mesquita | Curador


Obras

Imagem à esquerda: Luiz Paulo Baravello. No museu (n.1), 1979, óleo sobre tela, 154 x 94 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Sepp Baendereck. O príncipe sem reino do universo absurdo, 1973, óleo sobre tela, 170 x 130 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Aldo Bonadei. Corredor de Paraty, 1967, óleo sobre tela, 75 x 60 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Di Cavalcanti. São Jorge, s.d., guache sobre cartão, 69,5 x 50 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Di Cavalcanti. Quatro figuras no contra luz, 1966, guache sobre papel, 49 x 64 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Samson Flexor. Sem título, 1959, óleo sobre tela, 90 x 130 cm. Foto: Everton Ballardin

Carmélio Cruz. Figuras, 1955, óleo sobre eucatex, 91 x 64 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Amélia Toledo. Colagem, 1958, sobreposição de papéis de seda, 38,5 x 24,5 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Amélia Toledo. Colagem, 1958, sobreposição de papéis de seda, 38,5 x 24,5 cm. Foto: Everton Ballardin

 

Ismênia Coaracy. Sem título, 1966, óleo sobre tela, 100 x 80 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Yolanda Lederer Mohalyi. Sem título, s.d., mista sobre papel, 75 x 100 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Antonio Lizárraga. Sem título, 1965, óleo sobre tela, 73 x 92 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Samson Flexor. Sem título, 1963, óleo sobre linho, 65 x 100 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Samson Flexor. Composição, 1957, óleo sobre tela, 54 x 115 cm. Foto: Everton Ballardin

Felipe Cohen. Convite, 2009, envelope de papel e basalto negro, 2 x 16,5 x 22,5 cm e 2 x 28,5 x 22,5 cm. Foto: Everton Ballardin

 

Günther Uecker. Sem título, 1997, xilogravura, 40 x 40 cm. Foto: Everton Ballardin

Jannis Kounellis. Sem título, 1983, carvão sobre papel, 25 x 36 cm. Foto: Everton Ballardin

Eduardo Sued. Personagens, 1965, gravura em metal sobre papel, 19 x 15 cm cada, edição 14/30. Foto: Everton Ballardin

Eduardo Sued. Personagens, 1965, gravura em metal sobre papel, 19 x 15 cm cada, edição 14/30. Foto: Everton Ballardin

Eduardo Sued. Personagens, 1964, gravura em metal sobre papel, 16 x 12 cm cada, edição 14/30. Foto: Everton Ballardin

Eduardo Sued. Personagens, 1964, gravura em metal sobre papel, 16 x 12 cm cada, edição 14/30. Foto: Everton Ballardin

Franklin Cassaro. Sem título, 2000, mista sobre papel, 24 x 32 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Antonio Dias. A Madona do Lago, 1960, xilogravura, 23 x 30 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Ester Grinspum. Inacabada n. 33, 1984, mista sobre papel, 50 x 70 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Antonio Henrique Amaral. Sem título, 1964, xilogravura, 27,5 x 17 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Roberto Magalhães. Sem título, s.d., xilogravura, 27 x 27 cm. Foto: Everton Ballardin

Jean Arp. Relief Documenta III, 1964, alumínio polido e bronze, 25 x 20 cm, edição 81/100. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Maria Martins. Composição com figuras, 1945, litogravura e grafite sobre papel, 25 x 17,5 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Maria Martins. Composição antropomórfica, 1946, litografia sobre papel, 25 x 17,5 cm. Foto: Everton Ballardin

Roberto Burle Marx. Sem título, 1978, nanquim sobre cartão, 55 x 75 cm. Foto: Everton Ballardin

Márcia Xavier. Oca, 2009, fotografia e espelho, 8 x 8 x 8 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Marcos Chaves. Curb your dogma, 2016, fotografia, 40 x 31 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Marcos Chaves. Sem título [Série Buracos], 1996-2008, fotografia, 31 x 24,5 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Ivan Serpa. Figuras, 1970, litografia, 20 x 22 cm, edição 25/100. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Dorothy Bastos. Composição, 1956, xilogravura, 26 x 23 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Dorothy Bastos. Composição, 1954, xilogravura, 20 x 15 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Dorothy Bastos. Composição, 1956, xilogravura, 37 x 24 cm. Foto: Everton Ballardin

Paulo Monteiro. Sem título, 1984, óleo sobre tela, 80 x 120 cm. Foto: Everton Ballardin

Markus Lüpertz. Schuh [Shoe], 1984, óleo sobre linho, 65 x 55 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Caíto. Sem título, 1987, alfinete de latão e plástico, 67 x 27 x 28 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Marcos Concílio. Currada atrás do galinheiro, 1972, ecoline sobre papel, 53,5 x 71 cm. Foto: Everton Ballardin

Pol Bury. Ego-textes d’Achille Chavee precedes d’un Melangeur de Pol Bury presentes par le Daily-Bul, 1967, livro-objeto, impressão sobre papel, 21 x 22 cm. Foto: Everton Ballardin

Marcel Broodthaers. Un Jardin d’hiver, 1974, impressão offset sobre papel, 20 x 20 cm, edição 76/120. Foto: Everton Ballardin

Joseph Beuys. Nimm Foggia ernst, 1985, impressão offset sobre papel, 30,7 x 49 cm, edição 101/200. Foto: Everton Ballardin

Mônica Nador e Renato Imbroisi. Fine Arts, 2012, serigrafia e costura sobre tecido, 56,5 x 48 cm. Foto: Everton Ballardin

Anna Maria Maiolino. Ponto a Ponto [Série Livro/Objetos], 1976/2013, papel e linha de costura, 20,7 x 27 x 0,7 cm, edição 4/100. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Abelardo Zaluar. Refletido, 1974, acrílica, grafite e cartão sobre madeira, 70 x 70 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Edival Ramosa. Sem título, 1974, mista sobre papel, 100 x 100 cm. Foto: Henrique Luz

Imagem à esquerda: Amelia Toledo. Impulso [Série], s.d., bloco de quartzo rosa polido sobre a extensão de seu percurso em concreto branco,130 x 35 x 25 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: José Resende. Passante, c. 1990, escultura em latão, 60 x 45 x 17 cm. Foto: Everton Ballardin

Osmar Dillon. Sem título, 1990, acrílica sobre tela montada em madeira [quadríptico], 45 x 12 cm [cada]. Foto: Everton Ballardin