Andar pelas bordas: bordado e gênero como práticas de cuidado

26 de agosto - 21 de outubro de 2023

Andar pelas bordas: bordado e gênero como práticas de cuidado

Para o Telmo

O verbo “bordar” carrega consigo múltiplos significados. Muitas vezes identificada, erroneamente, como uma prática apenas feminina, a atividade variou bastante ao longo da história, sendo executada tanto por mulheres como por homens: bordados serviram para decorar residências, cobrir os tetos das casas, vestir crianças e adultos, anotar a passagem do tempo, criar cortinas que vedam o público do privado, tecer cobertas e, assim, agasalhar e proteger as pessoas das intempéries do tempo. Funcionaram, também, como atos eminentemente coletivos e políticos, inserindo-se nas bandeiras e nas faixas de grupos insurgentes, mas também como parte de manifestações de auto-orgulho organizadas por grupos de identidade. Nesse sentido, foram desenvolvidas nas “bordas” do sistema.

De uma maneira ou de outra, essa foi sempre uma atividade de “cuidado”; consigo mesmo, com os familiares, com a comunidade. Todavia, por conta de sua associação estereotipada ao universo feminino, essa arte acabou naturalizada dentro da hierarquia presente no cânone ocidental, sendo entendida como um gênero menor e vinculada ao espaço da domesticidade. Afinal, pensados nesses termos, os bordados não passariam de ornamentos e, sendo assim, secundários.

Andar pelas bordas questiona essa tradição para, assim, subvertê-la e, ao mesmo tempo, tratar de ressignificar essa arte. Em diálogo com outras mostras que abordaram o tema, a exposição apresenta o trabalho potente de 47 mulheres artistas, e que, emprestando as palavras de Cecília Meirelles, encontram-se “unidas como um fio de pano”. Aqui, “unimos” mulheres de diferentes gerações, raças sociais, regiões e momentos na carreira, todas atravessadas pela técnica do bordado, que produz, com sua beleza e força, novas realidades.

A intenção é explorar a riqueza e a diversidade de expressões do bordado, fazendo uma homenagem às mulheres artistas, tantas vezes excluídas das histórias da arte ocidentais. Nestes tempos tão sem tempo, dizem que é preciso levar a vida como um bordado. Bordando a vida.

Lilia Moritz Schwarcz | Curadora

Imagem à esquerda: Adriana Banfi. Merletto, 2022. Fios de cobre e madeira, 90 x 70 cm. Foto: cortesia da artista

Imagem à direita: Adriana Varejão. Contingente, 2000. Fotografia digitalizada, 22 x 32,6 cm. Coleção particular. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Ana Amorim. Panegyric, 2022. Rotina de 16 dias esperando notícias de um amigo enfermo; caneta esferográfica de tinta gel branca permanente sobre linho, 41 x 62 cm [dimensões totais]. Foto: Ana Pegosso

Imagem à direita: Ana Maria Tavares.Vitórias Régias para Purus e Negros III [Atlântica Moderna], 2014. Tecidos e fios diversos, acrílico e aço inox, 120 x 50 x 50 e 110 x 50 x 50 cm. Foto: Pedro Machado [cortesia Galleria Continua]

Imagem à esquerda: Anna Maria Maiolino. Ponto a ponto [Série Livro/Objetos], 1976/2013. Papel e linha de costura, 20,7 x 27 x 0,7 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Brígida Baltar. A pele da planta, 2020. Bordado sobre algodão, 23,5 x 25 cm. Foto: Flávio Freire [cortesia Instituto Brígida Baltar e Galeria Nara Roesler]

Imagem à esquerda: Carolina Cordeiro. Sem título [Série América do Sal], 2021/2022. Sal, barbante, tecido de algodão e pregos de aço cm, 38 x 38 cm. Foto: Ding Musa

Imagem à direita: Carolina Cordeiro. Há uma observação a ser feita, 2023. Colagem sobre papel Canson [trabalho realizado com fichas antigas de catalogação do arquivo multimeios do CCSP], 59,4 x 42 cm. Foto: Ana Pigosso

Imagem à esquerda: Chiara Banfi. Sem título [Série A Soma de Todas as Cores], 2021. Algodão e barbante cru, 82 x 69 cm. Foto: cortesia Galeria Vermelho

Imagem à direita: Claudia Lara. Lua do Começar, 202o. Bordado sobre tecido, 32 x 30 x 4 cm. Foto: cortesia da artista

Imagem à esquerda: Coletivo Artesãs da Linha Nove. Cingapura Madeirite, [s.d.]. Bordado sobre tecido, 141 x 206 cm. Foto: Ateliescola Acaia

Imagem à direita: Coletivo BordaLuta. Contra o olvido do Assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, 2022. Painel em tecido com poema bordado à mão e outros bordados manuais com aplicação de fios de linha decorada e lã desfiada e viés de tecido chita, 146 x 97 cm. Foto: Juliana Duarte

Imagem à esquerda: Coletivo Linhas de Sampa. 2021, Centenário Paulo Freire, 2021. Bordado livre sobre tecido, 78 x 63 cm. Foto: Christian Tomas

Imagem à direita: Coletivo Linhas do Horizonte. Lutar é um direito. Todas juntas somos fortes, 2017. Bordado livre sobre tecido, 55 x 140 cm. Foto: Danilo Alvarez

Imagem à esquerda: Coletivo Pontos de Luta. Rua Marielle Franco, 2022. Bordado livre sobre tecido de algodão e acabamento de costura, 30 x 45 cm. Foto: Beatriz Goulart

Imagem à direita: Delba Marcolini. Luanda, 2000. Tecelagem manual, 45 x 52 cm. Foto: cortesia Galeria MAPA

Imagem à esquerda: Eliana Brasil. Quando o gesto vira poesia, 2019. Fotografias bordadas sobre crochê, 58 x 140 cm. Foto: Katia Almeida

Imagem à direita: Eva Soban. Cipós 4, 2023. Fios enrolados, 180 x 120 cm. Foto: Tiago Soban

Imagem à esquerda: Fernanda Gomes. Sem título, 1993. Cabelo e acrílico, 120 x 30 x 30 cm. Coleção particular. Foto: Edouard Fraipont

Imagem à direita: Guga Szabzon. Brecha, 2023. Costura sobre tecido, 70 x 60 cm. Foto: Ana Pigosso

Imagem à esquerda: Hariel Revignet. Cada conta, um rio…, 2023. Pintura acrílica em canvas com costura de guias de Lágrimas de Nossa Senhora, 70 x 165 cm. Foto: Lucas Almeida

Imagem à direita: Heloisa Marques. Dor aqui, 2022. Reprodução impressa de obra original em canvas, bordada à mão [bordado realizado com frase de poema de Cristina Rossi sobre foto de autoria desconhecida], edição de 3, 45 x 60 cm. Foto: cortesia da artista

Imagem à esquerda: Jessica Mein. Gertrud, 2019. Linha de algodão, pregos e madeira, 50 x 40 cm. Foto: Bruno Dubner

Imagem à direita: Julia Panadés. Vestido filosófico, 2015/2023. Bordado, linha de algodão sobre papel Hahnemühle [gramatura 240 – fibra de bambu e algodão], 24 x 32 cm. Foto: Bianca Aun

Imagem à esquerda: Kênia Coqueiro. Coqueiras, 2019. Saia de noiva, pedra, mantilha e certidões de várias mulheres de uma mesma família, 300 x 200 x 300 cm. Foto: Lana Furtado

Imagem à direita: Laura Lima. Wrong Drawing, 2069. Fio cru e carvão, 34 x 26 x 4 cm. Foto: cortesia A Gentil Carioca

Imagem à esquerda: Leda Catunda. Janela, 2023. Acrílica e esmalte sobre tela e tecido, 40 x 45 cm. Foto: Ding Musa, cortesia do artista e Fortes D’Aloia & Gabriel

Imagem à direita: Lídia Lisbôa. A vida segue alinhavando, 2023. Camurça, linho e linha de crochê, 150 x 86 cm. Foto: Ana Pigosso

Imagem à esquerda: Livia Aquino. 2720. Viva Maria, 2017/2023 [obra em processo]. Tecido e feltro costurado, 68 x 100 cm. Foto: cortesia do artista

Imagem à direita: Madalena Reinbolt. Boiada, [s.d.]. Tapeçaria, 87 x 118 cm. Coleção Edmar Pinto Costa. Foto: João Liberato

Imagem à esquerda: Madeleine Colaço. Palma, [s.d.]. Tapeçaria, 102 x 59 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Maria Ayani Huni Kuin. Sem título, 2023. Tapeçaria de algodão com tingimento manual, 117 x 60 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Marlene Barros. Coso porque está roto, 2023. Costura, bordado e crochê sobre tecido, 77 x 30 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à direita: Matizes Dumont. Vida que te quero Viva, 2021. Brincadeiras do bordado Dumont sobre tecido de tear mineiro, 98 x 106 cm. Foto: Bordado Matizes Dumont

Imagem à esquerda: Nadia Taquary. Oxum Apará [Série Dinkas Orixás], 2020. Miçangas de vidro da República Tcheca, prata, cristal e búzios, 160 x 23 x 7 cm. Foto: Márcio Lima

Imagem à direita: Nazareth Pacheco. Sem título [Bustiê], 2011. Cristal e agulhas, 40 x 40 x 8 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Paloma Bosquê. Sargaço, 2021. Gesso pedra sobre lã e suporte de ferro, 228 x 30 x 6 cm. Foto: cortesia da artista e Mendes Wood DM

Imagem à direita: Rebeca Carapiá. Dez escritos do caderno 5 – tela 5 [Como colocar ar nas palavras], 2020. Cobre sobre tela, 52 x 82 x 4,5 cm. Foto: Filipe Berndt

Imagem à esquerda: Rosana Palazyan. “…crescem em desordem e devem ser controladas…” [Da Série: Por que Daninhas? 2006/2022], 2019. Bordado com linha e fios de cabelo sobre tecido, planta considerada daninha, 28,5 x 22, 5 cm. Foto: cortesia da artista

Imagem à direita: Rosana Paulino. Musa Paradisíaca, 2019. Impressão em tecido, tinta acrílica, recorte e costura, 29 x 56 cm. Foto: cortesia da artista e Mendes Wood DM

Imagem à esquerda: Sandra Gamarra. Este no es un Rothko II [Série Este no es un…], 2011. Lã de alpaca e algodão, 86 x 69 cm. Foto: Ding Musa

Imagem à direita: Sol Casal. MARÉMÃE, 2021. Linha de bordado, miçangas e lantejoula sobre feltro, 112 x 54 cm. Foto: cortesia da artista

Imagem à esquerda: Sonia Gomes. Tear II, 2023. Moldura de madeira, pregos, linhas, zíper e renda, 54 x 54 x 7 cm. Foto: cortesia da artista e Mendes Wood DM

Imagem à direita: Sonia Gomes. Tear III, 2023. Moldura de madeira, pregos, linhas e renda bordada, 40 x 40 x 6 cm. Foto: cortesia da artista e Mendes Wood DM

Sonia Gomes. Velatura, 2023. Acrílica e pérola de água doce sobre bordado de algodão, crochê, tule de elastano e madeira, 255 x 42,5 x 6 cm. Foto: cortesia da artista e Mendes Wood DM

Tadáskía. Estrela cadente, fogo celeste [díptico], 2019/2020. Tecido, cristal, pulseira e linha de costura, 150 x 73 cm e 152 x 74 cm. Foto: Guigo Sorbello

Imagem à esquerda e direita: Tamani Huni Kuin. Sem título, 2023. Tapeçarias de algodão com tingimento manual, 32 x 75 cm e 70 x 30 cm. Foto: Everton Ballardin

Imagem à esquerda: Tania Candiani. Acerca del rojo. Cromática, 2015. 15 aros de madeira bordados, tecido de algodão bordado com fio de algodão, dimensão variada. Foto: Filipe Berndt

Imagem à direita: Vivian Caccuri. Chahal inflamado, 2023. Tela de mosquiteiro, algodão encerado, algodão, acrílica, resina acrílica e latão, 197 x 105 x 2 cm. Foto: Rafael Salim

Yuli Anastassakis. Baile de máscaras, 2013. Bordado sobre papel, 10,5 x 7,5 cm. Foto: cortesia da artista

Vistas da Exposição | 26 de agosto a 21 de outubro de 2023