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Luiz 83 | Síntese da Forma

08 de julho - 05 de agosto de 2023

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Luiz 83 | Síntese da Forma

A letra como [fundamento da] cidade

por Paulo Gallina

As pinturas de Luiz 83 refutam o que a tradição histórica da pintura europeia legou para o século XXI. Se, ao entrar-se em espaços museológicos ou galerias de arte, a expectativa mais comum é deparar-se com pinturas feitas com a eloquente tinta óleo sobre tela, o artista paulista subverte a expectativa apresentando ao público uma pintura silenciosa em seus temas feita em guache, nanquim e grafite sobre papel.

Uma escolha de materiais e suporte que reitera o argumento de obra apresentada na Arte 132 Galeria: a primeira mediação entre o sujeito e a coletividade é seu entorno, é a cidade. Este lugar tornado invisível na repetição cotidiana de trajetos e fazeres, é comentado, e ao fim transformado, por Luiz 83 através de suas pinturas e esculturas: em uma reflexão sobre o contemporâneo, a cidade e suas construções materiais e simbólicas.

Para perceber esse procedimento, entretanto, é necessário, primeiro, entender a trajetória deste artista: pois é um pintor que não se esquece enquanto segue adiante. Luiz aproximou-se da arte primeiramente pela pixação[1]: essa pintura urbana, lúdica e violenta a um só tempo. A seguir, treinou seu olhar nos ateliês de artistas contemporâneos brasileiros e montando[2] importantes exposições nacionais nas últimas décadas [exposições das quais hoje ele participa[3]].

Toda produção artística, em alguma medida, é um reflexo e uma intervenção em seu tempo.  E o que são as cidades contemporâneas, se não muros que separam com hostilidade o [espaço] público do privado? Faz sentido a pichação, então, tomar para si fachadas e empenas cegas com assinaturas estilizadas, elaborando mais e mais as imagens que compõe a vida urbana. É nesse contexto, em que o flaneur encontra-se impedido de fruir a cidade, que Luiz 83 constrói sua pesquisa.

Os trabalhos apresentados na exposição Síntese da forma retomam a estilização típica da letra do pixo (sic) para apresentar as letras como se fossem massivas edificações. Não à toa, Luiz 83 parte da superfície do papel para [re]criar sua paisagem urbana.

A obra Fortaleza, 2022, por exemplo, transforma a letra S em um volume. As delicadas linhas feitas com grafite, criam essa volumetria; a cor retoma a superfície da pintura à sua bidimensionalidade. A letra é, então, colocada nesse território ambíguo entre sugerir um edifício e reiterar a superfície da pintura. Uma manifestação da vontade do artista de entender e de interromper os legados que constroem o que banalmente chama-se de cidade no presente.

Ao mesmo tempo, as peças escultóricas de Luiz 83 como Sem título, 2015-22[4], fundidas em bronze, transformam a letra em uma alegoria à figura humana, capaz de habitar o espaço. O alongamento das pernas do N e a dobra feita na matéria dura do bronze fundido parecem assentar a letra como que sentada na margem da base que a recebe; um comentário sobre a presença e contemplação tão caras à produção contemporânea em artes e tão pouco comentada e elogiada em tempos como o presente que se esforçam em elogiar a funcionalidade e praticidade das coisas sem permitir espaços mais humanos de um olhar interessado. A obra permite ao observador perder-se em divagações enquanto busca por, ou simplesmente aceita, construir sentidos e significados para além da obvia referência ao universo das palavras.

Enquanto peças como Sem título, 2022[5], desdobram-se das [bidimensionais] pinturas retomando o diálogo entre a ousada pesquisa arquitetônica contemporânea e a produção plástica deste tempo presente que não se entende mais como moderno, mas que não refuta completamente as inovações trazidas por esse movimento artístico que marcou o século XX em suas muitas facetas.

O pintor, que começou sua trajetória no pixo (sic), Luiz 83 parece com esta seleção se contrapor ao panorama de uma cidade percebida por seus impedimentos, muros, ao transformar as letras com pintura ou escultura em edificações. O movimento inverso[6] entretanto parece estar impedido porque a letra é o fundamento da construção de fonemas[7]. Paralelo para o trânsito, o hábito, o contato entre o sujeito e seu entorno que as fundações para uma relação entre o eu, qualquer eu, e o entorno.

Se a arquitetura, moderna e contemporânea, brinca com as formas em busca do belo ou da beleza[8],  uma arquitetura fetichizada simplesmente busca o belo como um exercício de poder [uma sublimação que é facilitada pela fruição, a qual, por sua vez, tem seu acesso controlado pelo poder financeiro ou por qualquer um de seus derivativos]; Luiz 83 parece esforçar-se em expor como a beleza não é singularmente fruto da fruição.

Para o pintor paulista, revela-nos esta mostra, o belo é uma potência, uma ferramenta em disputa, manifesta como um conceito histórico do presente e não como uma continuação de legados históricos que este tempo esforça-se em interromper. Dai sua escolha por matérias mais comuns do cotidiano urbano para a criação de seus trabalhos. Com sua pesquisa, Luiz 83 parece colocar as ruas, o vernáculo e o popular como igualmente importantes na construção do conceito do belo quanto o museu, o erudito e a academia. Talvez porque Luiz é essas duas coisas.

Numa proposta de integração da cidade, Luiz 83 [o pintor, o pichador] destaca os impedimentos urbanos retornando ao seu ponto de origem: remetendo ao pixo, ao muro, à empena cega. Assim, o suporte, a tela do pichador, deixa de receber a pintura para tornar-se seu tema.


[1]. A norma culta da língua portuguesa diz que pichação é escrito com ch, porém, a pedido do artista, picho e pichação estão grifados com x, como é escrito pelos pixadores pelas ruas.

[2]. Luiz tem atuação profissional como um dos melhores montadores de exposição do Brasil, pintor, escultor, fotógrafo e artista multimidia, como a exposição nos mostra.

[3]. Como, por exemplo, o 37º Panorama das artes brasileiras do Museu de Arte Moderna de São Paulo em 2022.

[4]. Sem título, 2015/2022. Escultura em bronze (ed. 1/5).29 x 9,8 x 8,5 cm.

[5]. Sem título, 2022. Escultura em fibra de vidro com pintura automotiva. 41 x 31 x 22 cm.

[6]. De tornar o imóvel em letra, letra que habilita a construção de palavras.

[7] Os quais, por sua vez, arquitetam nesta relação gramatical os primeiros níveis de significados contidos nas palavras.

[8] Conceitos que a pesquisa em artes parece estar liberta de. Porque, no campo das artes visuais contemporâneas, a estética é um braço da ética e, portanto, um território em disputa; ao invés de permitir-se ser constatada apenas como a ciência do belo [um achatamento do estudo das formas, que é literalmente, o significado da palavra estética].


Obras

Imagem à esquerda: Sem título, 2015/2022, escultura em bronze [ed. 2/5], 15,5 x 19 x 17 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à direita: Sem título, 2015, escultura em bronze [ed. 1/5], 20 x 12 x 17 cm. Foto: Suzana Mendes

 

Sem título, 2015/2022, escultura em bronze [ed. 1/5], 25 x 9,8 x 8,5 cm. Foto: Suzana Mendes

 

Imagem à esquerda: Sem título, 2022, escultura em fibra de vidro com pintura automotiva, 49 x 31 x 22 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à direita: Sem título, 2022, escultura em fibra de vidro com pintura automotiva, 17 x 11,7 x 32,7 cm. Foto: Suzana Mendes

 

Sem título, 2022, escultura em fibra de vidro com pintura automotiva, 43,5 x 22 x 60,5 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à esquerda: 03 Fortaleza, 2022, guache e nanquim sobre papel, 32 x 23,5 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à direita: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 29,7 x 21 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à esquerda: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 29,7 x 21 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à direita: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 29,7 x 21 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à esquerda: Sem título, 2015, guache e nanquim sobre papel, 29,7 x 21 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à direita: Sem título, 2015, guache e nanquim sobre papel, 29,7 x 21 cm. Foto: Suzana Mendes

Sem título, 2015, guache e nanquim sobre papel, 29,7 x 21 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à esquerda: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à direita: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes

 

Imagem à esquerda: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à direita: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes

 

Imagem à esquerda: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à direita: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes

 

Imagem à esquerda: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à direita: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes

 

Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes

 

Imagem à esquerda: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes

Imagem à direita: Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes

 

Sem título, 2014, guache e nanquim sobre papel, 21 x 29,7 cm. Foto: Suzana Mendes


Vistas da Exposição | 08 de julho a 05 de agosto de 2023


Fotos: 2023©Suzana Mendes