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O Voo da Matéria | Renato Brunello

25 de março - 24 de junho de 2023

Acesso ao folder da exposição


O Voo da Matéria | Renato Brunello

LINHA DO DISCURSO SOBRE AS OBRAS

Ante a singularidade da obra de Renato Brunello, o desafio do processo de reflexão curatorial da individual O Voo da Matéria era encontrar um eixo de articulação da produção que fosse além da concepção de retrospectiva e que, ao mesmo tempo, não se organizasse apenas em torno de aspectos formais ou de temáticas preestabelecidas. Sempre em nosso horizonte, a célebre afirmação do crítico Mário Pedrosa (1900-1981) de que a arte é o exercício experimental da liberdade soa como síntese do trabalho de um artista que, em quase cinco décadas de produção, fez da experimentação – seja no uso de materiais, seja na arrojada busca de formas – seu meio de expressão.

Nascido na cidade de San Giorgio, em Veneza, em 1953, o escultor italiano, que chegou ao Brasil aos 21 anos de idade, tem obras de grande porte expostas no acervo permanente do Metrô de São Paulo, instaladas nas estações Paraíso e Tucuruvi. Nesta mostra, um conjunto de 19 tridimensionais do artista – de vários tamanhos e diferentes materiais – insere-se no espaço singular da Arte132 Galeria, permitindo ao público não só a fruição das formas escultóricas como a reflexão sobre sua dimensão simbólica e sobre as transversalidades que as atravessam. A seleção de obras mostra dois aspectos que, embora aparentemente opostos, convergem na obra de Brunello: a leveza daquilo que parece voar e o peso daquilo que pousa e se fixa no solo.

VIDA E OBRA

Tendo vivido na Itália até a adolescência, foi em seu país de origem, berço de Michelangelo e de Rafael Sanzio, que Brunello adquiriu sua formação. Quando criança e carente daquilo que Walter Benjamin (1892-1940) chamou de máscara do adulto (experiência), transformava a arbitrariedade lúdica do brincar em poética experimental. Se a arte é uma forma de conhecimento e expressão simbólica da experiência humana, como nos lembra Susanne K. Langer, pode-se dizer que Brunello, desde cedo, converteu a própria curiosidade em signos, num movimento de captar o mundo e exprimir a sua vivência moldando-a com as próprias mãos. De sua origem vieram as fecundas consequências estéticas de sua produção.

Desde sua formação na Escola de Artes e Ofícios, em Veneza, até sua vinda para o Brasil, em 1975, o artista manteve em sua produção tridimensional técnicas ancoradas na escultura acadêmica italiana. Estas, por sua vez, sofreriam influências do contexto cultural e artístico brasileiro, que as permeariam de outras maneiras, como a da arte barroca de Aleijadinho, a da escultura modernista de Victor Brecheret e a da abstrata de Arcângelo Ianelli. Além disso, Brunello sempre permaneceu atento à produção internacional, vindo a incorporar nas suas produções novas perspectivas, como a do artista Henry Moore. Ao se sensibilizar por essa paralaxe estética, imprime novas dimensões nos seus trabalhos, libertando-os do sentimento do Belo em busca de um caminho menos polido. Sua trajetória no Brasil foi marcada pelo impulso dado por Pietro Maria Bardi e pelo incentivo da Galeria Ricardo Camargo (São Paulo).

O VOO

Em sua fértil casa-ateliê, a natureza e o cosmos são referenciais que orientam o artista num processo corpóreo quase reverso da criação da matéria. Figuras se forjam a partir de seu conhecimento empírico e da experimentação dos materiais, cuja energia produz variadas respostas. Do calor da madeira e da frieza do mármore, dos quais nascem diferentes possibilidades de materialização estética, surge um conjunto que aviva a perspectiva aérea. Geralmente esculpidas em mármore branco, as peças evocam o movimento livre e fascinante do voo do pássaro, capturado num instante. Em Asas voláteis (2022) e em Voo (2022), o artista metamorfoseia a rocha branca, em toda a sua potencialidade, no corpo do animal e, num processo contínuo de manipulação, chega às formas aladas e volumosas, prontas para o salto. A claridade do mármore é explorada no acabamento da peça. Valendo-se da mesma matéria-prima, outras obras devem ser retomadas para refletir sobre o complexo jogo de escalas, de ordem e de estrutura. Ora vazadas, ora preenchidas, levam o raciocínio óptico ao limite da abstração, em formas arredondadas (em Germinação, 2000) e volumes fálicos (em Torção, 2023), desdobrados em ângulos instintivamente projetados, libertos da lógica estrita do cálculo matemático, em torno de eixos verticais.

O POUSO

O conceito freudiano de sublimação, segundo o qual os impulsos instintivos e os desejos inconscientes podem ser transformados em atividade artística, ajuda a compreender a dinâmica do processo criativo de Brunello. Suas esculturas conduzem a um rico e inventivo imaginário em que pulsa o desejo ancestral de voar, mas também o anseio telúrico de estar em terra firme. Um misto de experiências mobiliza o observador, que nelas reconhece as próprias aspirações e limites, e o estimula a adentrar a obra. Nas peças de madeira e ferro, transpira a associação com o pouso, representação da busca simbólica de estabilidade e da força gravitacional que nos atrai para a superfície. Minha infância a cavalo (1997) e Labirinto Percurso (2014), por exemplo, carregam, desde a própria concepção, traços biográficos do artista, delineados pelas relações subjetivas entre as pessoas, seja em seus afazeres cotidianos, seja no palco de seus dramas e tragédias, seja na turbulência de suas paixões e enlaces afetivos. O emprego da madeira, que serve de elo com a intimidade com o artista, libera-o também para a experimentação intersubjetiva. Em Árvore Encantada (2015) e Conexões Terra e Mar (2016), a tensão entre as cores e a materialidade das formas constitui um reflexo investigativo da linguagem visual brasileira, que Brunello manipula fazendo convergir técnicas e materiais associados à arte folclórica.

ENTRETEMPOS

Gerando uma tensão produtiva em relação à era do pós-digital, em que a vida, em grande parte, é sentida em suportes bidimensionais, o escultor, opera analogicamente todas as etapas de produção de seus tridimensionais. Os vestígios do rigor formal das esculturas, vistos em seus pequenos corpos de bronze, permanecem nas suas obras mais recentes, cuja estruturação abstrato-geométrica se reconfigura de maneira desobediente, ativando o corpo do observador. Assim, retomam-se os três momentos principais no processo artístico, que, no dizer do filósofo italiano Luigi Pareyson, são o fazer, o conhecer e o exprimir.

Laura Rago | Curadora


Obras

Imagem à esquerda: O suave pousar do pássaro. Mármore, 2019, 100 x 105 x 34 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à direita: Asas voláteis. Mármore, 2022, 61 x 41 x 60 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à esquerda: Em voo. Mármore, 2022, 40 x 51 x 43 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à direita: Geométrica. Mármore, 2006, 70 x 40 x35 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à esquerda: Fecundação. Mármore e madeira, 2006, 68 x 23 x 18 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à direita: Torção. Mármore, 2023, 120 x 27 x 22 cm. Foto: EvertonBallardin

Em germinação. Mármore, 2000, 65 x 50 x 48 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à esquerda: Feminina 02. Bronze, 1986, 16 x 23 x 10 cm. Foto: RenatoBrunello

Imagem à direita: Introspecção. Bronze, 1986, 24 x 13 x 17 cm. Foto: RenatoBrunello

Imagem à esquerda: Feminina 01. Bronze, 1986, 18 x 17 x 12 cm. Foto: RenatoBrunello

Imagem à direita: Em contraponto. Bronze, 1989, 20 x 25 x 18 cm. Foto: RenatoBrunello

Imagem à esquerda: Raízes em manguezal. Madeira, 1996, 192 x 235 x 105 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à direita: Voo dinâmico. Madeira, 1998, 34 x 40 x 14 cm. Foto: RenatoBrunello

Imagem à esquerda: Alma em corpo. Madeira, 2001, 200 x 85 x 15 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à direita: Árvore encantada. Madeira e ferro pintado, 2015, 166 x 47 x 47 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à esquerda: Labiríntico percurso. Madeira e ferro, 2014, 177 x 48 x 45 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à direita: Idem [verso]. Foto: EvertonBallardin

Imagem à esquerda: Conexões Terra x Ar. Madeira e granito, 2014, 115 x 62 x 21 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à direita: Idem [verso]. Foto: EvertonBallardin

Imagem à esquerda: Minha infância a cavalo. Ferro, madeira e corda, 1997, 191 x 90 x 25 cm. Foto: EvertonBallardin

Imagem à direita: O mirante. Ferro, madeira, 2010, 100 x 23 x 23 cm. Foto: EvertonBallardin


Vistas da Exposição | 25 de março a 13 de maio de 2023


Fotos: 2023©SuzanaMendes